Criança, Escola, Familia, Cultura
Criança, escola, família e cultura.
O jornal de Maringá – Maringá quarta feira 08 de junho de 1983
Página 10
A criança há vários anos vem sendo produto de um amadurecimento através do sofrimento. O mundo, no entanto, não facilitou em nada esta reconquista que ficou relegada a um plano inferior, pois todos os adultos estão agora preocupados em se situar, em encontrar o seu espaço. Fez-se necessário uma revolução pessoal de homens e mulheres para sobreviverem no mundo, uma revolução feminina de conquista de espaço. Esta guerra tornou-se comum a todas as pessoas. Temos a impressão que repentinamente todos perceberam que precisavam ter uma posição definida frente à Sociedade.
Uma saída muito conhecida que percebemos é a tão conhecida "Lei do mais Forte". Os pais frequentemente irritados com, as pressões que sofrem dos patrões, da estrutura econômica, desabafam na criança suas frustrações com o mundo que vivem.
A família adoece com os problemas externos e reflete esta sintomatologia na vida dessas crianças. De uma forma comum estes pequenos seres tornam-se o "bode expiatório" da crise familiar estabelecida.
A criança sofre, não sabe como aliviar a tensão, a única coisa com o que pode contar é apenas com o seu próprio corpo e seus sentimentos, tornam-se agressiva, tímida, fracassa na Escola, aliena-se em seu próprio mundo, alimentando-se de fantasias. Adoece e seu corpo também sofre.
Percebemos também crianças que criam um abismo entre o mundo real e seu mundo interno, onde não conseguimos nos encontrar com ela, porque o seu mundo interno tornou-se grande demais. São crianças que perderam a fé em tudo o que a rodeia, ,e esta perda leva ao encontro da “neurose do vazio”
As crianças que se desenvolvem, em um ambiente precário, tornam-se marginalizadas, crescem "soltas" sem qualquer orientação, são carentes afetivas; não recebem carinho algum, pois os pais não têm tempo para isto, e talvez eles próprios nunca tenham recebido carinho de alguém. As causas do fracasso escolar são inúmeras e para quem não aprende a ler e escrever, está vedado o caminho a profissões melhor remuneradas. A criança, com fracasso escolar segue um caminho quase pré-determinado.
Ir mal na Escola causa frustrações. A criança frustrada passa a atuar de modo antissocial na própria Escola. Ela falta, é indisciplinada, tira notas baixas e, como consequência, é punida. Com a punição surgem novas frustrações. Não é difícil imaginar como a autoimagem vai se tornando rebaixada a cada passo. A desnutrição também é um fator muito importante. A criança torna-se fraca, pois, é mal nutrida e o rendimento escolar decresce consideravelmente. Com isto ela não possui condições de progredir nos estudos, acaba então, vagando pelas ruas, brigando com colegas e adquirindo maus hábitos, isto é, uso de drogas. Começa a se viciar desde muito cedo e tudo começa a se tornar um círculo vicioso: desemprego, agressividade, delinquência, drogas, roubos e assim sucessivamente.
Esta realidade é bastante deprimente. Somente aqueles que estão em contato realmente com esta condição de vida, podem sentir como é difícil a sobrevivência dessas pessoas. Valores como: respeito, dignidade, amor são exclusos de sua vida diária, pois para eles existe algo mais importante, que é manter-se vivo seja como for.
Nos meios educacionais a família é vista como principal responsável pelo fracasso da criança, o que não deixa ser urna realidade. É fácil julgar, falar sobre o problema, o que poucas pessoas fazem é chegar até esta população e entender os motivos que a levam a isso.
Quem convive com estas crianças e mantém um contato com a família é capaz de entender o porquê de tanto fracasso.
Estas famílias desconhecem totalmente o desenvolvimento da criança como um todo, na maioria das vezes, utilizam de punições severas, que podem levar até mesmo a danos físicos irreparáveis, afetando todo o seu desenvolvimento biopsicosocial. E assim a agressividade que recebem é passada adiante, causando tantos danos a outras pessoas, como a si mesmos.
Observa-se nessas pessoas um medo neurótico e grande insegurança em relação à Sociedade. Muitas, ao se sentirem hostilizadas em seu próprio meio, partem para comportamentos agressivos. São estimuladas pela violência, e quanto mais a praticam, mais a recebem de volta. Junto a isto percebe-se ainda a falta de comunicação dentro e fora da própria família, o que vem acentuar ainda mais a frustração e a solidão, deixando de ser uma pessoa que vive dentro de um grupo. Isola-se utilizando-se muitas vezes do álcool, que tem-se tornado um meio para conseguir conviver com esta realidade e o mais doloroso é que a falta de informação chega a tal ponto que os pais acabam servindo doses de álcool também para criança.
Os filhos que presenciam e vivem esta dinâmica, só encontram uma solução: agridem ao meio que vivem. Por outro lado a sociedade abafa e esmaga este instinto agressivo. Mas quase ninguém para e faz esta pergunta: Será que estas famílias não têm motivos suficientes para ter este desconhecimento, e este tipo de conduta?
O repertório verbal desta população é altamente precário. Mas, como ter um bom desenvolvimento de linguagem, se o-modelo no qual estão em contato, não favorece o aprendizado do mesmo? Por exemplo: Corno pode urna criança aprender a falar "melhor", se dentro do seu ambiente ela atende por "mió".
Percebemos que uma das motivações para que tal população frequente a Escola, é a alimentação. É lá que conseguem, na maioria das vezes, satisfazer esta necessidade. E este, é mais um fator de humilhação, na medida em que os próprios pais não conseguem a subsistência para a família. Neste grupo de pessoas tão carentes, as doenças são marcantes, tendo como causa principal a falta de higiene desencadeada por condições materiais precárias. Tais doenças levam a consequências graves, visto que ocorrem na fase mais importante do desenvolvimento.
A nossa experiência no trabalho com crianças tem nos trazido recompensas; nos fez perceber várias emoções e aos tem ajudado na luta por nossa organização pessoal. Alguns fatos tristes, outros alegres, dificultam uma real tradução de questionamentos que surgem durante o trabalho. Acreditamos que somos todos iguais: Uma soma integrada, raciocínio, afeto e corpo; o que nos diferencia é a manifestação destes afetos. Assim, se torna impossível transcrever o que vem representando para nós este trabalho, é algo maravilhoso, porque é muito humano.
E pedimos permissão para Rogers para deixarmos como nossa, a sua esperança que o mundo caminhe nestas direções:
- "Para uma abertura não defensiva em todas as relações interpessoais na família, na força de trabalho, no sistema de liderança; para a exploração do eu, e o desenvolvimento da riqueza do soma humano, mente e corpo, integral, responsável;
- Para a valorização do indivíduo pelo que ele é independentemente de sexo, raça, status ou posses materiais;
— Para a formação de agrupamentos humanizados em nossas comunidades, nossos ambientes educativos, nossas unidades produtivas;
— Para um relacionamento estreito, respeitoso, equilibrado, recíproco com o mundo natural;
— Para a valorização dos bens materiais, somente quando melhorarem a qualidade da vida pessoal;
— Para uma distribuição mais justa dos bens materiais; para uma sociedade com um mínimo de estrutura, onde as necessidades humanas tenham prioridade sobre qualquer estrutura experimental que se crie.
— Para a liderança temporária, substituível, baseada na competência do líder para satisfazer uma necessidade social específica;
- Para urna preocupação mais autêntica e interessada para com os que precisam de ajuda;
— Para uma concepção humana de ciência, em sua face criativa, na verificação de suas hipóteses, na consideração do valor humano e de suas aplicações;
— “Para todos os tipos de criatividade, no pensamento e na exploração, nas áreas das relações sociais, das artes, do planejamento social, da arquitetura, dos planejamentos urbanos e regionais da Ciência”.
• Maria Ferreira de Almeida, Psicóloga da Seção de Assistência ao Educando de Secretaria de Educação.
Criança, escola, família e cultura – Autora MARIA FERREIRA DE ALMEIDA
Artigo publicado no “ O Jornal de Maringá” – quarta feira 08 de junho de 1983 – página 10