08/10/2021

SÍNDROME PÓS TRAUMA POR DOENÇAS CONSIDERADAS TERMINAIS

SÍNDROME PÓS-TRAUMA POR DOENÇAS CONSIDERADAS TERMINAIS

A experiência de atravessar uma doença grave e potencialmente fatal, como o câncer em remissão, um transplante renal ou uma sepse, deixa marcas profundas na vida de qualquer indivíduo. O retorno à rotina após a superação desses desafios físicos frequentemente vem acompanhado de alterações emocionais significativas. A percepção de ter escapado da "morte iminente" pode desencadear uma gama de reações psicológicas, variando de pessoa para pessoa. Algumas se adaptam rapidamente, enquanto outras carregam os sintomas por anos, com o impacto emocional mais intenso nos primeiros três anos e uma tendência gradual de melhora.

Os sintomas dessa síndrome podem incluir irritabilidade extrema, chegando a episódios de agressividade. Relatos de pacientes incluem expressões como "parece que fiquei cego naquele momento", ilustrando a perda temporária de controle emocional. A confusão mental e a alteração da capacidade de julgamento são comuns, e apenas por volta do quarto ano após a remissão ou estabilização da doença há uma tendência a recuperar a normalidade psicológica. Entretanto, algumas pessoas voltam a apresentar crises inesperadas mesmo quando acreditavam estar livres delas.

Há aqueles que, apesar de não manifestarem agressividade, desenvolvem outros problemas de saúde, como fibromialgia, enxaquecas constantes e hipertensão. Muitas vezes, os médicos têm dificuldade em correlacionar essas condições com a experiência traumática vivida.

Um traço comum entre essas pessoas é a mudança na percepção do mundo: comparam constantemente o antes e o depois da doença, e muitas vezes, percebem uma realidade mais sombria e ameaçadora. Pequenos incidentes do cotidiano passam a ser vistos com desconfiança, e a extrema sensibilidade emocional pode ser interpretada como um estado de estresse crônico. Essa hipersensibilidade pode levar às chamadas "pautas paranoicas", onde a pessoa passa a interpretar intenções maliciosas onde antes não via.

Diante dessas alterações emocionais, é comum o afastamento social, inclusive de familiares e amigos próximos, que são julgados de forma severa. Oscilações entre excesso de confiança e desconfiança exacerbada tornam difícil o convívio social e profissional. Profissionais de saúde também podem encontrar desafios ao lidar com pacientes que alternam entre reações de gratidão extrema e de hostilidade.

A própria experiência com a doença, seja o câncer ou qualquer outra condição severa, impõe um estresse psicológico intenso. O tratamento pode ser desgastante e instável, trazendo vulnerabilidade emocional. Qualquer doença grave impõe desarranjos profundos na vida do paciente, gerando tensões psicológicas que, quanto mais sérias forem, maior será seu impacto na saúde mental.

Indivíduos que sofrem longos períodos de internação, enfrentam fraturas ou passam por cirurgias complexas também relatam alterações psicológicas, como pensamentos obsessivos, desconfiança exacerbada, paranoia e episódios de agressividade. A dependência de terceiros para atividades básicas, como alimentação e higiene, é uma experiência altamente desconfortável e pode agravar os sintomas psicológicos.

Casos de pacientes que nunca haviam apresentado comportamentos agressivos antes da doença e que, após o tratamento, passaram a agir de forma violenta são comuns. A duração desses sintomas é imprevisível, mas estudos indicam que, em média, eles podem persistir por até cinco anos, com uma tendência gradual de melhora após o terceiro ano.

Por outro lado, quando a doença é crônica e impõe incapacitação permanente, o processo de ajustamento é ainda mais desafiador. Doenças que resultam na perda de parte do corpo ou de suas funções geram um impacto devastador na autoimagem e na interação social. O paciente se vê forçado a abrir mão de atividades prazerosas e rotineiras, e, acima de tudo, lida com a perda da autonomia e independência. Essa realidade afeta profundamente a autoestima e a identidade, além de comprometer a privacidade, já que muitas vezes o indivíduo passa a depender de terceiros para tarefas básicas do dia a dia.

A Síndrome Pós-Trauma por Doenças Graves é um fenômeno complexo e multifacetado, exigindo atenção tanto da comunidade médica quanto do próprio paciente e seus familiares. O suporte psicológico adequado pode ser essencial para minimizar os impactos emocionais, auxiliando na reconstrução da qualidade de vida e na readaptação ao cotidiano.

do livro- sindromes e distúrbios neuropsicologicos- Mariáh Fêrry