30/05/2015

ansiedade- o veneno nosso de cada dia

ANSIEDADE- O VENENO NOSSO DE CADA DIA.

Artigo publicado em “O DIARIO DO NORTE DO PARANÁ’- Maringá, domingo 03/04/83- pag. 25.

Com a grande repercussão da pesquisa sobre os motivos que levam à separação de casais (publicada na edição do dia 20/março), realizada pela psicóloga Maria Ferreira de Almeida, retornamos praticamente a mesma linha de assunto. Aqui, é analisada a ansiedade, em quase todos os seus aspectos de Implicação, motivos e consequências, por ser um tema atual e que merece ser visto de mais perto. Nesta entrevista a psicóloga responde sobre a ansiedade, inclusive citando exemplos práticos. A vida atribulada de hoje faz com que o assunto se torne muito importante, e de interesse geral.

Segundo a psicóloga, a ansiedade pode ocorrer na vida de uma pessoa pouco a pouco, ou pode se apossar dela rapidamente. Até as horas que se tem que esperar é motivo para ansiedade. O homem solitário, perdido na multidão, fazendo parte da massa, onde ele não passa de "mais um", tem muito tempo onde passa a remoer os seus problemas, fazendo muitas vezes com que estes se tornem maiores do que na realidade são ou poderiam ser. O medo cria no rosto de cada um o fantasma da ansiedade.

DNP - Quais são os sinais da manifestação da ansiedade?

MFA - Percebemos a ansiedade a cada instante, no nosso dia-a-dia: roer unhas, morder a caneta e diversos outros tiques são sinais de forte tensão contida internamente. Esta existe na medida em que reprimimos nossos sentimentos de angustia.  Quanto mais, reprimimos maior a ansiedade, que pode ser definida ligeiramente como "um medo generalizado, sem causa aparente".

DNP - Onde está a causa, então?

MFA – A vida nas cidades de porte médio ou grande é um covil gerador de ansiedade. A superpopulação a agitação intensa e interna, o “não” que recebemos no dia a dia angústia e vai gerando frustrações. Esta frustração vai se estruturando dentro de cada um, e a ansiedade começa a se revelar. Cada vez que precisamos enfrentar uma situação nova, vem a ansiedade, o medo, medo de perder e se frustrar novamente. A preocupação com os negócios, com problemas familiares, que muitas vezes parecem insignificantes, podem acabar sendo motivo de grande ansiedade e certas pessoas, pela própria natureza de seu trabalho, estão particularmente mais sujeitas  a ansiedade.

 

DNP - Você poderia exemplificar algum caso e citar as mudanças fisiológicas provocadas pela ansiedade?

MFA - Pois não. Imagine uma manhã linda de primavera, você levanta despreocupado, começa a andar com passos largos, mas olhando e apreciando a natureza. Você começa a assobiar, só que de repente a sua melodia tem a conotação musical de uma freada; você está diante de um automóvel que vinha  em uma alta velocidade. Em questão de segundos, sem que você nem ao menos precise pensar, todo o organismo esta preparado para enfrentar o perigo. Existe uma liberação maior de adrenalina no sangue, um aumento na taxa de açúcar na circulação, dando maior suprimento para os músculos que vão entrar em ação. O sangue é escoado, se concentrando nos lugares onde é mais necessário. Há um empalidecimento, um espasmo do músculo que envolve o intestino, a bexiga e o estômago. A respiração é acelerada para levar mais ar aos pulmões, e isto tudo é acompanhado ou não de uma transpiração excessiva. Com todo este mecanismo, dentro de segundos você já pulou para trás, ficando apenas a observar e a meditar a respeito das ameaças, segundos antes, que se escondem por trás de uma linda manhã de primavera. Esse foi um momento que poderá ser chamado de ansiedade aguda; você suou frio e a respiração está ofegante. Muitas pessoas vivem como se estivessem sendo constantemente ameaçadas ou em perigo, como se algo estivesse para acontecer. É um sentimento persistente de tensão, "expectativa" onde o indivíduo reconhece não ter uma causa especial, ele diz e aparenta se preocupar com tudo, mas não sabe explicar por que. Outras vezes existe o medo, onde não há uma identificação da causa. E um medo que consome, sem motivo aparente, mas que está estampado no rosto da pessoa que se encontra em estado de angustia. Neste caso acima citado, onde a causa da ansiedade é obscura a pessoa pressente sintomas semelhantes ao da reação física diante de um susto, mas não encontrará alívio nem escape imediato.

 

DNP - São coisas, aparentemente, banais?

MFA -  A medida que a sociedade torna-se complexa, onde todas as lutas tornam-se mais difíceis, a pressão sobre o individuo aumenta. Pode-se perceber isto na incapacidade de relaxamento, onde a tensão é fator predominante. O indivíduo começa a ser invadido por sentimento de pânico, onde a irracionalidade é predominante. A dona de casa acha que deixou o ferro ligado, o empresário acredita não ter trancado a porta do escritório, e por-mais que uma segunda pessoa fale que isto é irracional, que tal preocupação não tem fundamento, vai apenas aumentar o seu nível de dúvidas.

DNP - Quais são as situações mais comuns que levam ansiedade?

MFA - Os motivos que levam à ansiedade são muitos, tais como o estudante que es encontra em véspera de prestar exames, suas notas estão baixas e o risco de reprovação é bastante alto; este começa a contar os dias e as horas que faltam, pensando somente no momento em que ficará livre de tudo. A esposa insegura que tem medo de perder o marido, o homem ou a mulher que tem em sua vida uma terceira pessoa permanecendo com um medo constante de  descobrirem o seu "caso". O homem de 40 anos que batalhou, não conseguiu produzir muito e que vê um jovem de 20 anos fazendo tudo aquilo que ele gostaria de ter feito para a sua realização e mesmo a mulher que se olha diante do espelho e enxerga as suas  primeiras rugas, o medo de perder a mocidade.

DNP - Que tipo de pessoa sofre mais a ação da ansiedade?

MFA - Uma população bastante atingida pela ansiedade é a jovem, pois sua vida é repleta de inseguranças e incertezas e ele luta para se encontrar, para se definir, para se adaptar. E para tal adaptação, precisa valer-se de recursos vários. Procura modelos, procura tipos com os quais possa se identificar tipos que possuam qualidades e características que ele, jovem, gostaria de possuir também. A verdade é que ele tem necessidade de se espelhar em alguém, alguém que represente o heroísmo, a vitalidade, destaque social e até a rebeldia. Alguém que possua a coragem de dizer que ele gostaria de dizer. Tal admiração não tem profundidade, porque não é dirigida à pessoa, mas ao que pessoa representa. O jovem inicia um processo de conflito e frustração quando tais fatores entram em choque, as causas que provocam a ansiedade no jovem ocorre com múltiplas variedades. Podem chegar a graus elevados, onde o indivíduo perde o contato com o mundo do exterior, e a noção de realidade.

DNP - E qual a influência dos chamados conflitos internos

MFA - Os conflitos internos são uma fonte comum de ansiedade. Diante de uma situação problemática ou perigosa , lutar ou fugir são reações entre as quais uma pessoa deve escolher. Quando nenhuma delas parece possível, a pessoa oscila emocionalmente de uma para outra. Verificamos muito tal fato, nas revistas, novelas de televisão, onde é muito nítida uma ambivalência (o telespectador vive a ambivalência do ator, e acaba sendo tomado pela ansiedade). Existe ai uma projeção de indivíduo para ator.

 

DNP - Quais são as reações de uma pessoa insegura?

MFA - Cada pessoa reage de uma forma, quando se sente insegura. Algumas ficam obcecadas com dinheiro, economizam para o futuro e têm muito medo da pobreza. Uma mulher sentimentalmente insegura pode criar problemas desnecessários para o marido, podendo acusá-lo de infidelidade e controlá-lo o tempo inteiro, além de agredi-lo sempre ante uma queixa dele, começando a chorar; está vencida, então, a batalha. Existem pessoas que apesar de serem competentes dentro de seu trabalho sente tanta insegurança que já começam a se verem desempregadas. Tais indivíduos acreditam que estão sendo alvo de olhares de desaprovação, e acabam criando situações insustentáveis para si . Até as pessoas mais controladas e seguras de si enfrentam inseguranças de vez em quando. Em qualquer crise, o melhor é se permitir ao sofrimento e a dúvida, pois quem se controla demais acaba mantendo a insegurança viva dentro de si. A solução não está nas drogas, como muitas vezes acontece, pois a idade para se iniciar em drogas está baixando, e é comum se deparar com crianças de 12/13 anos iniciando seu uso, com maior incidência no sexo masculino.

DNP - A ansiedade é normal?

MFA - Grande parte da ansiedade pode ser considerada normal dentro de um limite razoável, contudo algumas pessoas preocupam-se excessivamente por coisas banais chegando a uma obsessão (TOC) tem comportamentos com rituais e repetitivos, verificar exageradamente se deixou o gás aberto, o ferro ligado...Outros mostram um estado depressivo ao ponto de nunca assumir dívidas temendo perder a fonte de renda. Tais atitudes refletem a falta de segurança emocional que pode incapacitar o individuo de resolver os mais simples problemas diários. Assim o marido ou a mulher ciumenta pode chegar a arruinar um casamento por brigas de ciúmes inúteis e sem sentido. Tais comportamentos podem ser uma tentativa de recuperar a segurança ou conquistá-la. Qualquer que seja a forma da sociedade, os indivíduos em desenvolvimento, passam por fases em que a rebeldia e a insegurança são comuns. O adolescente, por exemplo, vive e um estado permanente de conflito entre dependência e independência, entre a conformidade com os padrões de comportamento e vice-versa. Mas, na realidade, a primeira sensação de insegurança ocorre no nascimento, onde o bebê é expulso do útero materno, precisando viver por seus próprios meios. A pessoa insegura se sente trancada dentro de si, incapaz de comunicação com os outros.

DNP - E, então, onde está a solução?

MFA - A possível solução está na prevenção. Drogas têm sido comumente utilizadas por indivíduos que vão enfrentar uma situação para evitar a ansiedade, um recurso nada aconselhável. O mais comum tem sido o álcool, pois este é de acesso mais fácil. A insegurança em excesso começa a gerar na pessoa um estado depressivo, onde ela começa a ter uma visão negativa de si e do mundo bem como do futuro acreditando  que nada mais vai melhorar para ela. A insegurança gera ansiedade e depressão. A ansiedade, por outro lado, poderá gerar insegurança.

DNP - Até que ponto somos pressionados pelos fatores sociais que levam à ansiedade?

MFA - É certo que o excesso de barulho, superpopulação das cidades, competição a fim de se conseguir um lugar ao sol e tantos outros fatores da vida atual provocam maior tensão, do que um ambiente onde há menos competição e seja mais tranquilo. A ansiedade pode ser percebida quando existe uma incapacidade para o relacionamento, pensamentos irracionais. As vezes o individuo sente palpitações, seu corpo reflete inquietação, dores de cabeça, às vezes sente medo  com tem pressentimentos de que algo ruim  está para acontecer. A ansiedade pode vezes levar ou se traduzir em uma fobia, o indivíduo sente medo diante de determinada situação.  Outro fator até comum provocado pela ansiedade é a insônia; quando tais pessoas conseguem cochilar um pouco é um sono agitado e inquieto. A insônia torna-se muitas vezes um martírio, maltratando os indivíduos "simplesmente" preocupados, e geralmente é acompanhada por desespero, e, finalmente, por apatia. O principal requisito para dormir é o relaxamento mental.

DNP - Como é a insegurança entre casais?

MFA - Dentro do casamento a insegurança parece ter sido um fato comum, pois existe uma falta de preparação para tal, e nela estão inclusas a insegurança e ansiedades que existem dentro de cada um. Um exemplo: a moça que é tratada como criança pelos pais, julga que ao casar será uma pessoa independente e dona de si própria, ou o rapaz cujo pai, dominador, deseja libertar-se dele afirmando a própria individualidade. A mulher que ao atingir uma faixa de idade acima de 27 anos, mesmo sem sentir atração pelo casamento, acredita que deverá casar-se para não ser catalogada como "solteirona". Outro caso que vem acentuar ainda mais a insegurança dentro do casamento é o indivíduo que se casa porque sente solidão e tem dificuldade em relacionar-se, fazer amigos. A insegurança existe na mulher também quando não se casa, pois esta foi educada para considerar o casamento como seu destino e finalidade no mundo. Por isso, muitas vezes depois da "euforia" do primeiro momento tem-se o início de uma crise conjugal, onde a insegurança existente antes se acentua ainda mais, e o casamento passa a ser um relacionamento "doente", ambos podendo chegar ao ponto de não encontrar mais sentido para suas vidas e, se não procurarem novas formas de vida, terão como resultado depressões constantes e solidão; mesmo estando com o outro parceiro, este pode se sentir terrivelmente só. Enfim; concluindo - ansiedade e insegurança existem em muitos casos, é um assunto vasto. "Talvez a mensagem mais importante seja a de que tanto a ansiedade quanto a insegurança em excesso deveriam ser trabalhadas dentro de cada um, antes que viessem a se tornar uma patologia", analisa. O mais perigoso resultado disso tudo é que muitas vezes as pessoas se recusam até a sentir a felicidade em plenitude, porque sofrendo dos problemas temem perder o "objeto" da felicidade, mesmo ele estando presente.

 

 

ENTREVISTA PUBLICADA EM 03/04/83

NO JORNAL “O DIÁRIO DO NORTE DO PARANÁ” pag. 26

MARIA FERREIRA DE ALMEIDA.